Cinema

Conheci-a de uma maneira simples, ao menos para o meu cotidiano, ou seja, onde trabalho. É fácil conhecer pessoas quando se trabalha em um cinema no centro da cidade. Não sou quem vende os tíquetes, nem aquele que aguarda ao lado da porta, para abri-la assim que der o horário, no entanto fico com a pútrida tarefa de atender os clientes na Seção Guloseimas. É, sou quase um bomboniére. Sou o Homem da Pipoca, o Tio da Coca-Cola de 700 mlAquele que sempre Oferece um Pacote de M&M’s. Bom, este é o meu adorado emprego. Há dez anos.

Mas veja bem: de lá para cá, em dez anos, eu já sou o gerente da Seção Guloseimas. Isso é bom, não é mesmo? Posso assistir aos filmes de graça. E às vezes, arranjo uns tíquetes para entes queridos por aí.

O mais triste de toda essa situação — e já retomarei a palavra sobre a pessoa que citei no início desta narração — é que tenho quase cinquenta anos. E sim, eu trabalho como vendedor de pipocas no cinema do centro da cidade, aos quarente e oito anos. Meu uniforme de gerente é diferente dos demais — uma camisa vermelha com gola polo, calça preta e sapatos sociais, e é claro. O boné preto com a logomarca do cinema que me dá caspa —, e quando eu tinha trinta e oito anos, era somente vendedor, assim como o resto da garotada de dezesseis a dezoito anos.

Eu não escolhi esse emprego — tive de aceitá-lo. Aos trinta e oito anos, com duas filhas pequenas e pouco dinheiro no bolso, o que fazer, se não agarrar a primeira oportunidade com ambas as mãos? E aí me disseram que o cinema estava contratando. E é isso aí.

Quando eu tinha trinta e oito, minhas filhas tinham cinco e três anos. Quando a menorzinha nasceu — Claire —, sua mãe teve complicações no parto. Acabou falecendo dois dias depois, deixando-me viúvo e com duas crianças pequenas para cuidar. Perdi meu emprego como caixa em um supermercado um ano e meio depois, sendo substituído por um garoto mais jovem e aparentemente mais preparado que eu. É que ele lidava com softwares e coisas do tipo. Foi o que aquele filho da puta do meu ex-chefe me disse, ao tentar dar uma explicação plausível.

Fiquei mais um ano desempregado, à procura de um maldito emprego, enquanto vivia na casa de meus sogros. Ex-sogros. Eles me acolheram por causa das meninas. E somente por causa delas. E viviam me jogando o fato na cara.

Meio ano depois, consegui este emprego no cinema. Eles pagavam bem, já na época. E eu sempre adorei filmes. Desde criança.

E nesses treze anos, não tive esposa, nem namorada. No máximo um ou dois beijos, cá e lá. No fundo, nunca tive muito tempo para isso. E acho que nenhuma mulher acha interessante um homem de quase cinquenta anos que vende Coca-Cola e pipoca no cinema mais frequentado da cidade. Mesmo que ele seja um dos gerentes dessa bela joça.

E então eu conheci essa moça, na estreia de V de Vingança, no ano passado.

O cinema havia reservado três salas para a estreia à meia-noite; havia centenas de pessoas, formando filas. Estávamos nos preparando para aquela estreia há semanas; há meses. Havia adultos e ainda mais adolescentes — essas pragas do mundo. Não é que tenha me esquecido dos meus gloriosos dias como jovem com os hormônios à flor da pele, mas é que… Puxa vida. Esses adolescentes realmente me irritam. Não podem ser parados, e parece que perdem o bom senso quando saem de casa. Não sabem se manter nas filas, não sabem aguardar e são, na maioria das vezes, rudes como um texano fundamentalista.

Bem, bem. Lá estávamos nós, quase malucos por causa de toda aquela bagunça; o estoque estava cheio, mas de quinze em quinze minutos tínhamos de ir buscar produtos para o abastecimento. Eu não via algo do tipo desde as estreias de Harry Potter e Senhor dos Anéis.

Como gerente, eu teria direito a ver a primeira sessão. Quando desse o horário, eu logo estaria sentado numa poltrona daquelas, bem confortável. E eu queria ver aquele filme — havia lido a HQ anos e anos atrás. Estava curioso para ver o resultado em película.

Quando faltavam cinco minutos, John, o cara que estava vendendo os tíquetes aquela noite, falou que a bilheteria estava fechada. O cinema estava lotado.

Tirei o avental que usava, dobrando de qualquer jeito e fui-me para a sala 2, na minha opinião, a mais fresca de todas.

E então a moça veio correndo, estatelando-se contra os demais na fila das bomboniéres. Ela não parecia querer comprar qualquer coisa, parando na bilheteria e ficando repentinamente desesperada.

— COMO ASSIM ESTÁ FECHADO?

Pude ouvir seu grito. Virei-me para checar o que estava acontecendo.

— Eu comprei meu ingresso online! Hoje de manhã! Não tive como vir antes. Estava trabalhando!

— Deveria ter vindo mais cedo — soou John. — O cinema está lotado.

— Mas eu…

— Podemos devolver seu dinheiro — John puxou uma nota de dez dólares e esticou seu braço até a moça.

JOHN!, chamou alguém na manutenção.

Andei até lá.

— O que está havendo?

— Estão me chamando. Eu já volto — olhou para mim. — Toma conta disso pra mim?

Fiz que sim com a cabeça.

— … — ela leu meu crachá — Dean, eu comprei o meu ingresso hoje de manhã… Eu quero muito ver esse filme! Estou esperando por ele há tanto tempo!

— Como é seu nome?

— Loren. Meu nome é Loren.

— Loren — suspirei. Parei alguns segundos para observá-la. Parecia realmente desesperada. Uma ideia veio-o à mente. — Eu posso arranjar um lugar para você. Essas salas não estão completamente cheias, ainda. E pelo comportamento do meu atendente, pode ficar com seu dinheiro. Dez dólares a mais, a menos, não farão nenhuma diferença nos cofres desse cinema.

Ela sorriu e depois me agradeceu.

— Basta me seguir. E fazer com que ninguém veja o que estou fazendo. — Ri para ela, esperando que me seguisse.

Apanhei o meu pote de pipoca e a minha Coca-Cola e acabei dividindo-os com a minha nova amiga, intrusa da sessão na sala 2, e uma ótima companhia.

Ela sabia mais sobre os detalhes que eu um dia poderia saber — e foi bom. Explicou-me várias coisas que eu já havia esquecido, chorou em algumas cenas e sorriu ao final, comigo.

No final daquela sessão, eu já estava basicamente apaixonado por aquela garota.

Depois que o filme acabou, lá para as duas da manhã, Loren convidou-me para comer alguma coisa. Disse-me que conhecia algumas lanchonetes que ficavam abertas até às cinco da manhã, e bem, eu aceitei ir com ela. Tomamos umas cervejas, comemos uma porção de fritas e hambúrgueres. Contei-lhe sobre minha vida, ela contou-me sobre a dela.

Tinha vinte e cinco anos, e morava em Boston há oito, com a tia. Ela havia nascido em Liverpool, e com a morte dos pais, viera morar com a tia — que era casada com um americano. O homem havia morrido há três anos. —, e já se sentia bem adaptada. Completara o Ensino Médio, mas não fizera faculdade — sentia-se um fracasso, mas devo tê-la reconfortado com a minha vida de merda. Quando lhe falei isso, ela deu um riso estridente, que diminuiu-se num sorriso afável. Adorável. Adorável demais.

Loren Murray. Vinte e cinco anos, cabelos e olhos castanhos. Um lindo sorriso… Adorável. Simplesmente adorável.

Assim como eu, ela não tinha carro — locomovia-se pela cidade usando o metrô. Acompanhei-a até sua casa — que ficava a menos de vinte minutos da minha —, e quando chegamos lá, já era quase cinco da manhã.

Despedimo-nos e quando eu já me virava e pegava o rumo para minha casa, senti um leve cutucar de dedos no ombro esquerdo e depois os lábios escarlates dela sobre os meus. Tive uma breve parada respiratória e senti-me nas nuvens. Enlacei-lhe a cintura e retribuí o beijo.

— Foi bom te conhecer, Dean — sussurrou em meu ouvido e enfiou a mão no bolso de meu casaco (algumas horas depois, no dia seguinte, vim a descobrir que ela deixara ali um papel com o número de seu telefone escrito).

— Foi bom te conhecer também… Loren… — àquela altura, meu sorriso bobo deveria estar cruzando toda a minha cara.

— Podemos nos ver amanhã?

—… — Suspirei. — É claro!

Beijou-me o rosto de modo breve, sorriu e virou-se, adentrando o prédio onde morava.

Voltei para casa como um idiota feliz. E ainda bem que minhas filhas ainda dormiam: já eram seis horas!

Trabalhei quase dormindo no dia seguinte. Mas valeu a pena. Muito a pena.

Consegui sair às dez horas do cinema, e Loren esperava-me na entrada. Mostrou-me a nova motocicleta que havia conseguido — era pequena, mas bonitinha. Ela estava com dois capacetes e fez-me subir naquela coisa. Dirigiu até a parte sudeste da cidade, parando em um parque. Compramos cachorros-quentes e sentamos na grama. Observamos as estrelas, Loren contando-me coisas engraçadas sobre quando era criança, e eu a ela.

Certo ponto da noite, ela estava sentada entre minhas pernas, recostada ao meu peito. Abracei-a, deixando meu queixo sobre sua cabeça, sentindo o cheiro de baunilha vindo de seus cabelos. Deslizei a face até a curvatura de seu pescoço, sentindo seu perfume. Loren se arrepiou e soltou um risinho, virando o rosto para mim, sua franja cobrindo parte de seus olhos. Esticou-se e beijou-me outra vez.

Era lindo. Mas…

— Nos conhecemos há dois dias — disse-lhe. — Não acha isso estranho?

— Eu gostei de você assim que o vi. Acho que sentiu a mesma coisa. Por que seria estranho? Somos dois adultos. Pagamos nossas contas, não devemos nada a ninguém. — Voltou a se apoiar em meu peito. — Se há algo estranho, é não deixar que aconteça.

Ah, aquela garota. Sempre com uma resposta na ponta da língua. E de certa forma, ela estava certa. Uma ponta de paixão iniciava-se dentro de mim, e eu sabia que a cada instante que passava com ela, a paixão aumentava, e aumentava.

Depois de quase mil anos…

Eu voltei. HAHAHAHA

E vejam só: mudei o layout, para que seja mais rápido o carregamento do blog.

Fiquei sem atualizá-lo porque comprei um notebook novo, e não sei por que raios, o WordPress simplesmente não podia ser acessado nele. Eu fiz de tudo; procurei até para-lá-da-Muralha algum artigo-tutorial-whatever que pudesse me ajudar, mas não deu.

Interessantemente, agora voltou a funcionar, depois de umas macumbas que fiz com a mãe Diná. HAHA

Prometo, de agora em diante, postar frequentemente no blog; já que ninguém o acessa, será como um hobby para as horas vagas. :B

Para os que leem (OI PARA VOCÊS, SEUS LIMDOS!), é sua hora de FICAR FELIZ, porque agora terão dose dupla do meu maravilhoso conteúdo pessoal -sqn.

Atenciosamente,

Franciele Ramos (a Ane).

O preconceito está na veia de quem é irracional

Olá.

Eu não sei, ao certo, como iniciar esse artigo. O foco é o preconceito, como o próprio título pode deixar claro.

Eu poderia iniciá-lo dizendo que o preconceito é um defeito de pessoas incapazes de pensar. É minha opinião sobre algo tão forte e tão comentado, que engloba, basicamente, todas as pessoas no mundo.

Falamos “preconceito” e parece que nos lembramos de: Preconceito contra Raça e Preconceito contra Sexualidade — porque eu não vou colocar aqui “Opção Sexual”, pois creio que não é uma opção —, porém, esquecemos que preconceito engloba tudo. Preconceito contra o magro, contra o gordo; preconceito contra o negro, o pardo, o asiático; contra o homossexual, o bissexual; contra o gago, o surdo, o mudo; contra casais com idades opostas (homem mais velho + mulher mais jovem, ou vice-versa); contra casais em geral (idade; raça; sexualidade…); preconceito quanto a escolha de uma crença — ou contra a não escolha de uma.

São tantos os preconceitos que eu poderia listar muito mais. No entanto, esses já são suficientes para mostrar o quanto as pessoas continuam ignorantes, irracionais e intolerantes.

O Leitor deste artigo — que já leu o resto dos meus outros artigos — pode vir com todas as pedras e dizer que eu sou preconceituosa, porque falo que no Restart tem só menino veadinho ou que o Justin Bieber é veadinho. Mas eu estou sendo engraçada. Ah, vá lá: Todos nessa imensa rede chamada Internet chamam Restart de veados, e Justin Bieber também. Eu não vou ter nenhum tipo de preconceito se eles assumirem, bem de longe. Não gosto da música deles, e não curto todo esse fanatismo sobre esses moleques. Mas não é porque eles são, ou não, gays, que eu vou deixar de pensar assim, ao contrário — suponho eu — de milhões de fãs espalhadas por aí que, ao descobrir que Bieber ou os garotos do Restart são gays — não todos, também. Não digo todos, mas, se algum deles, ou dois, assumirem… —, pararão de gostar e começarão a xingar até a enésima geração dos garotos. O que eu chamaria de uma puta de uma hipocrisia. Mas não é essa a questão.

A questão é que tem heterossexual querendo um Dia do Orgulho Hetero, sendo que… oras. Heterossexuais não sofrem preconceitos como os homossexuais e já têm seus direitos. Mais uma coisa que eu chamaria de hipocrisia.

É como criar um Dia do Orgulho Cristão e dizer que o ateu não pode ter um Dia do Orgulho Ateu, sendo que ateus sofrem muito mais preconceito que cristãos — aqui no Brasil, vamos dizer assim: cristãos… não sofrem lá preconceitos. Ah, sim, a menos que você seja um cristão homossexual… o que não é meio contraditório? (Já continuo falando sobre isso) —, principalmente por estarem em um país cristão — e só pra explicar: Cristianismo engloba: católicos, evangélicos, Assembleias de Deus e todas essas igrejas e subdivisões do Cristianismo; então, sim, o Brasil É um país totalmente cristão, levando em conta os números baixíssimos de porcentagem de espíritas, judeus, hindus, budistas, ateus, agnósticos, deístas, etc…

Essa não é a questão. A questão é que vivemos em um país laico. Laico significa, do dicionário Priberam Online:

laico 
(latim laicus, -a, -um, comum, ordinário) 

adj. s. m.

1. Que ou quem não pertence ao clero ou não fez votos religiosos. = LEIGO, SECULAR≠ ECLESIÁSTICO, RELIGIOSO

adj.

2. Que não sofre influência ou controle por parte da igreja.

 

Em outras palavras: um país que seja um Estado laico é um país que não favorece, nem desfavorece, religião alguma. É claro que isso só na teoria; na prática, ainda temos a religião tomando conta de decisões que não lhe cabem. O que gera revoltas, e preconceito. O Brasil sendo um Estado laico, deveria ter ao menos uma bancada para todas as religiões praticantes em nossa país, ou nenhuma bancada voltada à religião. Encarando a realidade, que é muito mais que óbvia, por sinal, é claro que nunca teremos esse fato acontecendo em prática. E somos então submissos aos símbolos do Cristianismo, ainda líder nas questões “religião dentro do Congresso”.

Voltando ao assunto central do artigo, o preconceito, eu posso dizer que vários fatores geram essa tão perversa atividade. E posso ainda complementar: o preconceito nunca deixará de existir. Isso é quase impossível, e fantasiar um dia em que não teremos mais divergências, e que viveremos em um planeta sem estresses com diferenças… é magnífico.

O que gera o preconceito?

Eu acho que, em sua maioria, é a cultura, que nos é passada de geração em geração. Se voltássemos no tempo, há quarenta anos, homossexuais ainda eram vistos como aberrações. Mas foi-se plantando a semente do bom senso nos corações dos jovens daquelas épocas, que passaram para seus filhos, que os filhos passaram para seus filhos, e por aí se vai.

E depois, a educação que nos é negada, principalmente no país em que vivemos. Fechamos os olhos e aceitamos a política do pão-e-circo que nos é dada desde que nos entendemos por país. Futebol, samba e cerveja, e todo o povo brasileiro faz a festa. O Carnaval é uma data mais importante que o Dia dos Professores. Uma data mais comemorada. E jogos clássicos de futebol são mais aclamados que a luta dos educadores sertões, periferias e comunidades a fora. Cerveja é mais importante que o português que seu filho expressa, ou a matemática que seu filho calcula. A decisão de uma faculdade divide-se em três cursos (Direito, Medicina e Engenharia, a meu ver. Opiniões divergem, então, Leitor, dê o palpite sobre o seu ponto de vista), e as pessoas com mais chances de passar em vestibular são os alunos que saíram de particulares, preparados, pois puderam pagar um ensino realmente bom, e os alunos que deram de seu sangue e suor e se mataram, tentando preencher o imenso buraco que nos é feito quanto ao ensino público. É hipocrisia da parte do governo dizer que um aluno, que estudou em escolas públicas durante toda a sua vida, está preparado para o Enem, para qualquer vestibular. Não. Não está. Eu, como estudante de escolas públicas desde que me entendo por gente (desde os cinco anos de idade), posso dizer que não é fácil, não. Temos ótimos professores, que estão realmente dispostos a dar suas aulas de forma genial, ao mesmo tempo em que temos profissionais desqualificados, ou desmotivados. E por que será?

Porque o Brasil é um dos países com o pior salário para seus professores. O piso está entre 800 e 1200 reais, ao que eu sei… enquanto jogadores de futebol ganham de 500 mil reais até um milhão e meio. Para o quê? Chutar uma bola.

Ah, mas Ane, você está sendo uma idiota, preconceituosa, agora, dizendo que jogadores de futebol são inúteis.

Chega desse blá, blá, blá. Jogadores de futebol não são mais importantes que educadores. Educadores estão formando ideias, vidas. Estão formando o caráter de uma criança, dedicando suas vidas a isso — para receber um salário medíocre? Não é de admirar que estejam desmotivados.

E não somente os educadores, mas também médicos, bombeiros, policiais… Pessoas que lidam com vidas. Seus salários não passam de cinco mil reais. Arriscam suas vidas, salvam vidas, projetam e preparam vidas. E quem chuta uma bola ganha mais que qualquer um deles. Porque chutes em bolas é do que mais precisamos. Esqueci-me desse fato.

Enquanto nos preocupamos com Copas e Olimpíadas, nossa educação é uma das piores do planeta, assim como saúde e qualidade de vida. O que pensarão os turistas ao chegar ao tão Tropical e Bonito Brasil e depararem com toda essa desgraça?

Cidades em nosso país são mais perigosas que o Haiti em tempos de guerra civil. Nossa segurança é precária, nossa saúde é precária, nossa educação é precária. E é claro: vamos idolatrar o jogador de futebol!

Eu não vou generalizar, mas sim por em termos: não é todo jogador que é “inteligente”, e isso é um estereótipo, sim. Temos como imagem de um jogador de futebol como um ser ignorante, mas isso vem mudando. Porque passaram a perceber o quanto essas pessoas influenciam em nosso meio, e que se continuassem falando do modo como falavam (errado, e falando asneiras), quem ainda daria bola às suas opiniões?

No entanto, continua sendo um estereótipo. Então, um preconceito.

Eu não tenho preconceito contra jogadores de futebol — se você, Leitor, entendeu isso, devo explicar então, meu ponto de vista. O que eu acho errado é idolatrar a imagem de um jogo, de uma pessoa com uma bola, ao invés de pensar mais em gente que realmente dá duro nesse país. Gastar milhões com estádios, quando precisamos de escolas, creches, hospitais, postos de saúde, quartéis de bombeiros, profissionais de repartições públicas qualificados.

Voltamos então à política do pão-e-circo. O povo já está acostumado com esse tipo de coisa, e o que acontece? Quem luta por seus ideais é tachado de idiota, de tosco, de rude e de revoltado. Professores que fazem greve são tachados de preguiçosos, assim com os médicos que revindicam seus direitos, os garis que procuram pelo que lhes é certo, os bombeiros que pedem por ajustes etc. Eles são preguiçosos por procurar o correto: você que critica, faz o quê? Samba com a musiquinha que está fazendo sucesso, toma sua Skol e assiste ao futebol na televisão.

Não o estou tachando de incompetente: longe disso! Estou dizendo que deveria abrir os olhos à realidade à sua volta. O que vê? Acha que a situação em que estamos é realmente boa? Está melhorando. Mas o processo é tão lento quanto uma lesma paralítica, e se não ajudarmos, tende a regredir. O Brasil avançou quando o povo foi às ruas. Quando o povo foi finalmente tocado. É hora de entendermos que já está até tarde, que devemos lutar como fazíamos há alguns anos.

Mas Ane, você está sendo revolucionária demais. Duvido que faça alguma coisa.

Bom, eu faço o que está ao meu alcance — como redigir esse texto que vos direciono. Dar minha opinião aos amigos próximos, fazer com que eles pensem de maneira diferente do que pensam agora. Eu tento ajudar em campanhas, tento dar o melhor de mim. E não fico somente no meu conforto acomodado do sofá assistindo à novela das nove. Eu sou uma em milhões, adolescente ainda, e só o fato de estar sendo revolucionária, já gera preconceitos.

Por quê?

Por ser adolescente. Porque eu não tenho o direito de falar o que realmente penso, e de ter esse pensamento avançado para minha idade. Porque eu deveria estar dançando Kuduro, e ouvindo Justin Bieber, chorando pelos novinhos do One Direction e curtindo em festinhas, fumando maconha e sendo vida louca. E o que isso mais seria do que um preconceito desgraçado? Preconceito, e estereótipo: todo adolescente é igual. Mesquinho, fútil, emocional, irracional, incompetente, violento, prepotente, arrogante, inconsequente, virado ao próprio umbigo e seguidor de modas. Porque os preconceituosos, os adultos (não vamos mentir), esquecem de olhar para trás e pensar que um dia já tiveram nossa idade. Esquecem de pensar que ninguém é igual, e que podemos, sim, nós, isso mesmo, NÓS ADOLESCENTES, podemos ter ideais bem formados, opiniões construídas e baseadas em bons argumentos. No entanto, isso é tão complexo, pelo fato de que nem adultos têm ideais e opiniões bem formadas, que é praticamente impossível entrar em suas mentes de que seres mais jovens possam ser pensantes e que possam atuar de forma correta.

E o que mais poderia se gerar a partir desse tipo de pensamento? Mais e mais preconceito. E então nos calam, nos fazem como seres sem o direito de realmente nos expressar. E o que mais me irrita? É que realmente existem adolescentes com as qualidades que lhes citei. E que não dão à mínima ao meio em que vivem. São realmente seres egoístas, que se importam com seus tênis importados e com o que os amiguinhos da rodinha vestem. Será que é Nike? Será que é Adidas? Será que é Chanel, ou Prada, ou Dolce Gabana?

Eu não ligo para o que a pessoa veste, e sim para o que ela diz e faz. Se você usa camiseta branca, calças jeans surradas e chinelo nos pés, e ainda sim tem ideais e luta por eles, eu realmente o admirarei.

Está além do que se veste. Está no que se vive, no que se é. Se você tem as melhores roupas e acessórios, mas seu interior é tão desprezível quanto uma pessoa corrupta, eu devo realmente dar ouvidos ao que você diz, por que está usando uma roupinha bacana?

Gênios saíram dos becos e esquinas, com a roupa do corpo e apenas isso. E você adolescente fica chorando pelo seu ídolo teen? É claro que eu tenho ídolos, mas nunca chorei por eles, e nunca deixei de viver por causa deles. A vida está além disso! Muito além!

O preconceito contra adolescentes continuará enquanto nós nos mantivermos da maneira como nos estereotiparam. Se não mudarmos, por que deixariam de pensar dessa maneira? E se não nos expressarmos, por que então passariam a nos ouvir?

Nos tacham de revoltados? Então seremos — mas dignos revoltados! Com o sistema, com o país em que vivemos, está mais do que na hora de seguirmos em frente, de pararmos de nos preocupar com a festinha do sábado, com o amigo com o novo celular, com coisas fúteis da vida! Você, adolescente assim como eu, não será uma pessoa melhor por ter um celular de última geração ou um computador ultra high-tech. Será uma pessoa espetacular assim que mostrar que pode, sim, pensar por si mesmo, e seguir as próprias tendências, fazer o que lhe faz bem, e não aos que vivem no mesmo círculo que você!

Já é tempo de pararmos com esse preconceito contra nós mesmo!

No fundo, ainda somos tão irracionais que temos preconceito contra semelhantes.

Não ir com a cara de alguém não é razão para tratá-la mal. Você pode odiar uma pessoa, mas será o ser humano mais inspirador ao tratá-la educadamente, e mostrar que seus ideais de humano estão acima da irracionalidade brutal e animalesca de tratar pessoas diferentes de você em escárnio, com esse preconceito dentro de si. Aí você será uma pessoa bonita. Admirada.

Momentos de ódio e raiva acontecem a todos — mas quem disse que não se pode mudar isso num futuro próximo? Você pode consertar os erros do seu passado. É claro que pode!

Diga não ao preconceito em qualquer gênero. Diga não a dizer que uma pessoa gorda não pode amar. Diga não a dizer que pessoas do mesmo sexo não podem constituir uma família. Diga não a dizer que pessoas com crenças distintas da sua, ou pessoas sem crenças, são inferiores a você. Diga não a investir em coisas inúteis, quando precisamos de consertos dentro de nosso país, nas escolas, hospitais e etc. Diga não ao preconceito à idade, à etnia. Aos sotaques, às cores, aos gostos.

Diga em alto e bom tom:

NÃO AO PRECONCEITO!

Atenciosamente,

Franciele Ramos (a Ane).

E hoje…

E hoje é aniversário… do meu cão. Aliás, cadela. Parabéns, Pitty, por seus sete aninhos! E que infelicidade ter nascido logo no dia nove de junho. Infelizmente, o Depp também faz aniversário hoje. Não tão importante quanto você, minha linda lhasa apso ❤

As Janelas

As Janelas

Por Ane Rainey

(escrito ao som de Cosmic Love e outras - Florence + the Machine)

Somente mais um de meus inúmeros devaneios. Bem-vinda seja a inspiração que o trouxe. Entretido seja o Leitor.

Janelas foram feitas para os curiosos.

E também para os amantes.

ELE OLHAVA PELA janela de seu quarto, no quarto andar de um prédio velho no sul de Londres.

Era um americano perdido no formigueiro de britânicos e seu sotaque com classe, como costumava sua mãe dizer, ao que via alguma reportagem na tevê ou ouvia algo no rádio, em meados da década de setenta.

Ele próprio ouvira muito sobre britânicos; aliás, ele adorava a Inglaterra e a própria Londres. Conseguira, então, em junho de 1984, mudar-se para lá.

Agora, dois anos depois, na semana antecedente ao Natal, as ruas já estavam preparadas para receber o ano de 1987. Nevava e fazia um frio extremamente congelante, conquanto dentro de seu apartamento estivesse quente o suficiente para usar somente um suéter preto, com losangos azul-marinho e calças jeans.

Tentava observar a rua. Afastar os olhos do prédio frente ao dele; afastá-los da tentação. Uma incrível tentação que morava bem na janela frente à dele e que sorria de vez em quando, apenas para amornar-lhe o coração.

Seu nome era Rose. Tinha olhos castanho-claros — muitas vezes ficavam tão sombrios quanto os próprio olhos ônix dele — e cabelos em um dourado escuro, beirando também ao castanho claro. Combinavam com ela e seu rosto acentuado por curvas delicadas e lábios semicarnudos e rubros. Era linda em todos os sentidos; angelical deveria ser sua voz — nunca a ouvira, de fato. Imaginava-a todas as noites ao ir dormir e acordava com ela, com possíveis sussurros. Somente sabia seu nome por conta de seu vizinho Tommy, um garoto simpático que vivia no apartamento ao lado do de Rose. Perguntou-lhe um dia: ei, você sabe o nome da garota do quarto andar? Daquele apartamento bem ali, e apontou-lhe a janela. Tommy deu um largo sorriso e disse-lhe: É a Rose. Ou Rosie, como quiser. Ela é legal. Às vezes tenta me ensinar a tocar algo no cravo. Aprendi metade de Für Elise com a Rose. Ela disse para ir até lá tentar tocar o resto outro dia, mas mamãe disse que eu preciso melhorar minhas notas em Exatas. Eu não gosto de Exatas.

Na verdade, ele não deu muita bola ao que o garoto disse-lhe após Rose, ou Rosie. Só prestara atenção àquilo e a mais nada. Era do que precisava. Sabia o nome da garota que deixava-o sem sono quase todas as noites — se não todas. Todavia, havia noites em que podia se deitar e sonhar com ela. Sonhar com ela sobre si, beijando-lhe os lábios e murmurando palavras cálidas em seu ouvido.

Ele sabia que tudo aquilo soava utópico — era fantasioso, sim. Mas era como podia se agradar naquelas noites frias ou quentes que se passaram. Há quase um ano a olhava por aquela janela. Há quase um ano se imaginava com ela.

Sabia que a garota tinha um namorado — era tão jovem, o garoto. Não devia ter mais de vinte. Deveria ter quase a mesma idade que ela. Ela tinha dezenove, pelo que Tommy lhe contara.

Nunca aprovou aquele romance — em que universo aprovaria qualquer romance entre sua jovem amada com outro homem, que não fosse ele mesmo? Aquilo era um absurdo —; o garoto parecia ser tão insosso e chato. Pela janela, podia vê-los discutir às vezes. Ele adorava aquelas noites de discussões, em que gritavam um com o outro e logo o garoto ia embora, batendo a porta do quarto de Rose e deixando-a ali, chorando as mágoas abraçada a um de seus travesseiros, inundando-o. Nesses momentos ele desejava abrir a porta de seu apartamento e correr até o dela — mesmo que estivesse calçando apenas meias, ele não se importava se congelaria ou não os pés — e abraçá-la. E abraçá-la por toda a noite e por toda a eternidade.

No entanto, ele não podia fazer aquilo. Seria loucura, ela nem mesmo o conhecia. Então contentava-se observando-a e sussurrando para que respirasse fundo e acalmasse-se; pois ele sempre estaria ali para ela. Sempre que Rose precisasse, ele estaria ali, mesmo que… ela não soubesse quem ele era. Ele não se importava com aquilo.

Talvez um dia pudesse dizer-lhe o quanto gostava dela.

Para sua idade, soaria estupidez dizer que estava apaixonado apenas por fitá-la de sua janela. Claro, seus amigos zombariam de sua cara de idiota ao dizê-lo. Ele não era um adolescente e não tinha o mínimo direito de apaixonar-se apenas por observar uma garota todas as noites, quase como um predador.

Aos seus quarenta e um anos, ele não tinha direito algum àquilo.

Às vezes pegava-se pensando se aquilo era correto. Afinal era bem mais velho que ela — mas ainda gostava de vê-la.

Sentiu-se quente quando ela começou a retribuir seus olhares. E depois vieram os sorrisos.

Seus sorrisos iluminavam a escuridão. Ele sabia que ela era capaz de fazer aquilo. E aqueles sorrisos, tão especiais, sabia também que ela os dava somente para ele.

ELA OLHAVA PELA janela de seu quarto, no quarto andar de um prédio velho no sul de Londres.

Nasceu em Londres e sabia que morreria naquela cidade, pois a amava mais que qualquer britânico. Mesmo que seu pequeno apartamento não fosse o mais belo ou o melhor, ela gostava de viver nele; tinha tudo que precisava para sustentar-se e viver até mesmo bem. As paredes tinham lá suas rachaduras, porém, ela poderia cobri-las com um pouco de massa qualquer dia desses. Qualquer dia desses poderia comprar massa e cobri-las — e o faria quando tivesse tempo.

Trabalhava em uma escola de música municipal. Dava aulas de piano às crianças que não tinham condições em seu bairro e adorava fazer aquilo.

Seu pai sempre quis que ela cursasse Direito ou Medicina, mas ela amava a música e por isso cursava Música em uma universidade federal. Conseguira passar no início do ano passado e estava muito feliz àquela altura.

Conseguira dar entrada às prestações do apartamento no início do ano. Havia guardado cerca de duas mil libras e pagava as prestações em dia, assim elas diminuiriam conforme fosse-as pagando.

A primeira coisa que fez foi mandar alguns homens levarem seu cravo até seu apartamento, puxando-o com uma corda até lá em cima, passando-o pela sacada que, felizmente, era grande o suficiente para recebê-lo.

Um dia conheceu seu vizinho, Tommy, um garotinho simpático de onze anos. Ele era miúdo, pequeno para a idade e os cabelos caiam sobre os ombros em fios semi-dourados reluzentes e uma franja sempre colada à testa por gotículas de suor. Os olhos eram de um azul quase baço, no entanto, às vezes brilhavam tanto que perdiam completamente sua tonalidade fosca e tornava-se viva; um azul turquesa, quase tão vivo quanto o céu no dia mais quente e ensolarado de verão. E Rose já havia notado quando aquilo acontecia; quando ela tocava Für Elise para ele. Um dia Tommy pediu para que lhe ensinasse e, com prazer, ela o fez. O garoto fitou-a com seus olhos agora reluzentes e o sorriso cheio de dentes e gritou-lhe um obrigado! tão fortíssimo que até mesmo ela emocionou-se naquele instante. Sentiu o coração bater mais forte dentro do peito, e então Tommy a conquistara completamente. Era um menino adorável e deveras educado. A mãe não lhe dava muito de sua atenção e Rose tornara-se quase uma irmã para ele.

Rose também tinha um namorado, Don. Ele era um ano mais velho que ela e, mesmo sendo doloroso dizer, parecia ser muito mais infantil. Aquilo a incomodava e preocupava; quase sempre Don a tratava como uma colega adolescente, não como uma namorada. Ela odiava suas brincadeiras bobas e sem graça. Ela não aprovava seu comportamento extremamente juvenil para com seus amigos e professores na Universidade. Ele realmente parecia um menino e, pelo que sabia, até mesmo Tommy era mais aplicado, compenetrado e educado que Don.

Rose também sabia que não o amava. Ela gostava de Don, e ele era atraente. Tinha olhos verdes e cabelos em uma tonalidade de castanho médio e um pouco mais que um metro e oitenta. Quanto ao corpo, era normal. Tinha um abdômen definido, como deixou claro uma de suas amigas — Jenny —, todavia, nunca foi de interessar-se por um homem somente por seu porte físico. Às vezes pegava-se pensando porque ainda saía com Don — talvez por medo de ser rejeitado por vários homens. Ou talvez porque não queria ficar só, o que era praticamente a mesma coisa. Acomodou-se àquele namoro e estava tudo bem. Algumas — várias — discussões sempre aconteciam, claro, como em todo relacionamento. Tirando aquilo, estava tudo bem.

Até o momento em que olhou pela janela e deparou-se com o prédio vizinho, com a janela vizinha.

Tommy lhe contara sobre um homem que havia perguntando qual era o nome dela. Ele disse que parecia ter uns trinta cinco ou quarenta, mas que era como os caras bonitões da TV. Quando Tommy lhe disse aquilo, ela ignorou-o; pensou que ele estava inventando coisas. Mas o pobre garoto na verdade queria apenas informá-la; era verdade. Tommy disse que ele morava no prédio em frente ao deles, no quarto andar também.

E havia um homem. E ele era seu vizinho de prédio, e estava lá na outra janela. Era realmente bonito como os caras da TV; tinha cabelos que iam pouco acima da nuca, negros e olhos da mesma cor; olhos ônix, penetrantes e misteriosos. Os lábios não eram finos, tampouco eram grossos; eram médios, ou quase isso. Ele deixava uma barba mal feita no rosto, o que talvez acentuasse-lhe mais o maxilar rijo e o queixo um tanto quadrado. Havia algo naquele homem que lhe chamava a atenção; não sua aparência, mas algo. Algo além daquilo. Quiçá fosse química, no entanto… Ela sentia-se diferente quando o fitava da janela de seu quarto. E ele sempre estava lá. Sentado ou em pé; lendo ou escrevendo. Assistindo à televisão, vendo alguma série ou filme. Ou às vezes apenas lá… no quarto. Como se também a observasse.

Daquele momento em diante, passou a responder-lhe também com olhares. Usava das horas que tinha em casa para observá-lo de seu apartamento, enquanto ele tentava ser sutil e fingir que não fazia o mesmo. No entanto, Rose podia notá-lo fazendo o que ela fazia; bisbilhotando. Olhando. Observando lá de seu apartamento. E ela não o culpava.

Pediu a Tommy que descobrisse seu nome. Era fim de tarde e, o garoto, sorridente e com sua alma de criança sapeca, disse que o faria e desceu as escadas rapidamente. Correu até o outro prédio e Rose o observava pela janela. Pouco tempo depois, ela viu o homem sair de seu quarto e ir atender à porta. Alguns minutos se passaram e Tommy batia à sua porta.

Contou-lhe que o nome do homem era Michael. E que ela poderia chamá-lo de Mike.

Michael. Nome bonito — sempre gostara desse nome.

Em uma noite, viu Michael junto à máquina de escrever. Ele digitava apressadamente; seus dedos voavam sobre as teclas. Seria escritor? Ou estaria apenas datilografando qualquer coisa?

Aquilo a encantou, de qualquer forma. Escritores, em sua imaginação, foram sempre seres sensuais, em seu jeito de ser — os dedos longos pelas teclas. Ela quase podia ouvi-las. Tec-tec-tec, plim!

Estaria escrevendo um romance?

Um poema?

Um conto ou crônica? — pouco lhe importava, na verdade. Ela se esticava sobre o peitoril da janela, sorridente, as mãos apoiavam o queixo.

E se ele a visse?

Não. Estava tão compenetrado em sua tarefa, os óculos redondos pendendo acima da ponta de seu nariz. Vestia uma camisa de botões xadrez, de mangas compridas — e além daquilo, mal podia ver o restante.

A folha chegara ao fim. Mike olhou para o lado, para a janela e finalmente a viu.

Rose ficou tão vermelha quanto a flor que lhe dava seu nome — ela sorriu como uma garotinha pega no flagra, as bochechas rubras.

Observou Mike sorrindo-lhe de volta e viu-o erguer-se, indo até o outro quarto — era o que havia pensado. O homem voltou com um pacote novo de folhas e, ao que parecia, uma caneta hidrográfica — daquelas de pontas grossas.

Rabiscou algo no papel, apoiando-o no vidro da janela e abriu-a. Mostrou-lhe o papel.

Podia lê-lo com certa dificuldade, mas a letra de Mike ajudava um tanto.

“Olá!” — havia escrito no papel, letras maiúsculas e legíveis.

Está falando comigo…

Ela pediu para que ele esperasse um pouco.

Correu pelos corredores de seu pequeno apartamento, à procura de papéis e caneta. Achando-os, respondeu-lhe com outro “olá! Como vai você?

Vou bem, e você?

Bem!

Que bom!” — ele expressou uma cara risonha, fazendo-a gargalhar.

Alguns segundos se passaram — uns trinta — e ela pegou outro papel, escrevendo uma pergunta.

Você escreve?

Sim!

Poderia ler?

Um minuto” — ele a deixou sozinha por algum tempo. Rose permanecia sobre o peitoril, esperando-o. Como faria para mostrar-lhe o que havia escrito?

Ela imaginava uma possível maneira quando ele apareceu novamente na janela. Rose ergueu-se do peitoril e percebeu o que ele tinha em mãos: o papel em que havia escrito algo, dobrado em formato de avião. Ele mirou e o papel cruzou o rosto de Rose, caindo sobre seu tapete. Ela sorriu, agradecendo, e apanhou o papel. Desdobrou-o; não era um poema, nem poderia dizer se era conto, crônica ou algum romance. Pediu um tempo e pôs-se a ler.

Os flocos de nevem caíam em redemoinhos, acertando o chão úmido de inverno em cheio. Londres estava quieta como uma escola tradicional em tempos de provas; o vento serpenteava os prédios ao redor. Era tão tarde, e tão escuro; as parcas luzes dos postes iluminavam o caminho, e o amarelo baço que iluminava sua sala ajudava-o a perceber a construção frente à sua; um imóvel de cinco andares. A janela de madeira escura e envelhecida do quarto andar era o que mais lhe fascinava em todo prédio — não a janela, o que estava além dela. O castanho-claro dos olhos luminosos e oscilantes, o rosado dos lábios que deveriam ser cálidos como labaredas, cândidos e inebriantes como hidromel. Os fios que beiravam ao ouro — maciço poderia ser seu toque na pele, cheirariam como rosas? Não poderia haver outra flor tão adequada! — e acentuavam sua face e seus traços marcantes; o nariz um tanto afilado e um sorriso apaixonante. Na primeira vez que a viu, sentiu-se novo novamente — as ondas de calor invadindo seu corpo, formando arrepios dos pés à cabeça, eriçando todos os pelos de seu corpo, fazendo com que borboletas voassem, felizes, em seu estômago. E passou a observá-la, o sentimento tornando-se maior a cada dia. Estava apaixonado, como nunca o fora em sua vida — ela era a luz na escuridão de seus pensamentos, o adormecer à fantasia, o acordar à razão; ela era tudo. E quando ela o percebeu? Ó deuses, o melhor dia de sua vida — correspondera-lhe com um sorriso de anjo, fê-lo sentir-se o homem mais adorado do mundo. E agora ela também o olhava, ele sentia a moça fitá-lo com delicadeza do outro lado. Ele sonhava se um dia ouviria sua voz. Se um dia sentiria aqueles lábios sobre os dele… Ah, e as borboletas voavam e voavam…

E ela era bela. Bela…

Rose sorria como uma tola — sorria e chorava. Era uma declaração! Que outro homem poderia fazer algo como aquilo? Don era um estúpido; nunca dissera-lhe sequer um eu te amo!

Levantou-se, convicta. Escreveu algumas palavras no papel e colocou-o no bolso. Calçou os sapatos e vestiu um grosso casaco. Saiu de seu apartamento, descendo as escadas rapidamente, sorrindo ainda, pensando no que faria a seguir — as pessoas precisam de loucuras para viver. As pessoas precisam delas para serem felizes e se arriscarem. Para serem felizes!

Estava frio do lado de fora. Ela caminhou ainda mais rápido até o prédio vizinho. Adentrou-o, marchando sobre os degraus das escadas.

Quarto andar, número 42.

Quarto andar, número 42. Michael.

Quarto andar, número 42. Michael. Ou Mike. Como preferir…

Mike…

 

 

Ela havia deixado-o ali. Saíra do quarto e não respondeu ao que ele havia lhe enviado. Sentiu-se, primeiramente, desapontado. Mas não poderia prever o que ela fora fazer — talvez fosse buscar outro papel. Uma caneta. Ou até mesmo poderia ter ido ao banheiro.

Michael sentia seus dedos tremerem. Mandara-lhe aquele texto. Não era o que estava escrevendo — o que escrevia era um artigo ao jornal local daquele condado. O que teria pensado? Teria compreendido? — era óbvia que havia compreendido. Era tão claro o que havia escrito, ela tinha de ter entendido…

Sentou-se na cadeira frente a maquina de escrever, afastando-se da janela. Bebericou o café quente que havia servido há pouco e sentiu-se novamente desapontado.

Seria sua escrita assim tão ruim?

Não poderia.

Onde haveria ido?

Ó, deuses. Fiz algo de errado? Por quê?

Pensava em ir até a janela outra vez quando a campainha tocou.

Ele caminhou até a porta e a abriu — deparou-se com ela. Com Rose — ou Rosie, como preferir.

Ele sorriu, e ela também, sem jeito — notou que puxou um papel do bolso. Desdobrou-o, mostrando-lhe, a certa distância.

Estava escrito:

“Fica comigo, observador?

Michael riu. Procurou um papel à mesa.

Sim!

Rose deixou o papel cair ao chão e colocou-se à ponta dos pés, entrelaçando o pescoço de Michael com seus braços e beijando-o da forma mais amorosa e apaixonada que já havia beijado um homem.

Michael o fazia da mesma maneira, mais forte, mais apaixonado ainda.

Ela tinha o gosto do paraíso, e os lábios eram de textura surreal — onde ele estava? Fora ao Céu, e nem notara?

Seu toque. Seu corpo. Seus lábios e seu cheiro.

Ela era incrível!

Sua boca. Seus olhos. Seu abraço e sua paixão.

Ele era a promessa de um amor!

Recostaram-se à parede e beijaram-se por longos minutos; toques libidinosos, mãos lascivas.

Tudo era intenso — o momento mais intenso de suas vidas. A coisa mais bonita que já havia acontecido no mundo. Não sabiam seus nomes por inteiro, nem ao menos haviam já ouvido a voz um do outro. Aquilo era fascinante.

Dia vinte e três de dezembro; os sinos já estavam prontos para tocar e a neve caía sobre as ruas.