IV – Terra #FICSPARRA

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Terra

PASSARA O RESTANTE da noite acordado, seguindo o ponteiro da bússola com os olhos enquanto a mão direita guiava o timão. Há duas horas vira os primeiros raios de Sol surgirem. Agora deveria ser por volta de oito ou nove horas da manhã. O Sol estava quente e castigava-lhe os ombros e a cabeça como um carrasco. O ponteiro oscilou, e ele moveu o timão para a esquerda; o Pérola locomovia-se com toda sua força e velocidade.

Acordaram assim que formou-se o dia. Mandou Gibbs acordá-los; e se não acordassem, mandou que jogasse água sobre eles. E, se ainda assim não se erguessem, que jogasse rum e depois ateasse fogo, pois, marujos que não querem trabalhar é a mesma coisa que nada. E não precisava de nada naquele momento. Ele precisava de homens que agissem e trabalhassem.

Dois marujos o fitavam abaixo, no convés. Ele os reconhecia; sabia seus nomes. Eram Delgo e Phillips. Sabia que Delgo era hispânico; apostava que Phillips deveria ser britânico. Pouco lhe importava. Delgo deveria ter dois metros de altura, e seu cabelo era negro como o céu noturno, caído até metade se suas costas; tinha muita força nos braços, e seu trabalho era muito bem vindo. Mas Phillips era um garoto raquítico; Jack até pensava se, com alguma forte rajada de vento, o rapaz poderia sair voando. Ela um pouco mais baixo que Jack, e ostentava cabelos alaranjados, que brilhavam contra Sol. Os olhos eram de um cinza profundo. Jack observou-o, as mãos agarradas ao timão, as sobrancelhas arqueadas em expressão de curiosidade e dúvida. Phillips pareceu fugir de seu olhar, virando-se para a esquerda, caminhando até a amurada. Delgo continuava mexendo com algumas cordas, ora olhando para Sparrow, ora fazendo amarras.

Jack moveu o timão um pouco para a direita. O ponteiro da bússola moveu-se alguns milímetros. Secou a testa com a palma da mão, respirando ofegantemente. Que calor!, deixou exclamar de seus lábios, suspirando. Sentia gotículas de suor grudando sua camisa ao corpo, as calças colando às pernas. Jack fechou a bússola, guardou-a no bolso do casaco e pediu para que Gibbs tomasse conta do timão.

Desceu até sua cabine. Trancou a porta e caminhou até uma tina com água. Agarrou uma jarra de metal e encheu-a com água. Despiu-se do casaco e da blusa branca de um leve linho que usava. Sentou-se em uma cadeira e pegou a jarra. Despejou a água sobre a cabeça, sentindo-a escorrer por todo seu corpo. O alívio foi imediato, e continuou, ao menos por alguns minutos, enquanto ele continuava sentado, observando o chão à frente, a cabeça para baixo, os olhos na madeira polida e escura de seu navio. Encheu outra vez a jarra e despejou, os cabelos pingando.

— Pelos deuses, por que faz tanto calor? — Perguntava, fitando o chão. — Há semanas não faz calor desta maneira… — Ergueu-se da cadeira e encaminhou-se até o espelho lascado pendurado à parede. Olhou para si, para as cicatrizes, as tatuagens espalhadas pelo corpo. Os olhos pararam no peito. Nas asas pintadas em ônix, no animal que aquelas curvas e linhas formavam. Era uma ave; a mais bela, quiçá. Um cisne. Jack sorriu levemente, enquanto passava os dedos sobre a ave no peito. Sorriu outra vez, lembrando-se do porquê de tê-la feito há alguns meses. — O rum anda realmente acabando com qualquer lucidez que tenha, Sparrow — sussurrou para si —… E como se para com o vício que dá inspiração ao homem? — Riu alto. Olhou para a face. A o ferimento em formato de X havia, há tempos, cicatrizado. Agora quase não era visível, a não ser por seu relevo. Sentia-se ridículo com aquele X na cara. Bufou.

Voltou a sentar-se. Decidiu não pensar em nada por alguns minutos. Ergueu-se e jogou-se na cama, cerrando os olhos para logo depois adormecer.

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CAPITÃO! CAPITÃO! CAPITÃO! — era a palavra que ecoava por seus ouvidos. Ela vinha, longínqua, irritando-o como jamais poderia irritar. Uma simples palavra fazia com que Jack tivesse o desejo de desembainhar sua espada e…

CAPITÃO!

Então acordou. Levantou-se em um solavanco, rápido, e caminhou até a porta. Era a voz de Delgo que o chamava, e ele podia ver sua sombra por debaixo da porta. Abriu-a, estampando uma face mal-humorada.

— O que raios você quer, Delgo? — Disse.

— Veja com seus próprios olhos — apontou para frente, o dedo grosso e longo indicando-lhe um local.

Jack saiu da cabine. O mau-humor dera lugar a um bom e velho sorriso quando ele avistou o que Delgo lhe mostrava.

Era terra.

Uma ilha…

TERRA!

— DAVY JONES ESTEJA NOS CÉUS! — Exclamou Jack, sorridente. — GIBBS! DÊ-ME UMA LUNETA! ANDE, HOMEM! — Jack observava Gibbs, que procurava sua luneta, atada à calça, em sua cintura. Pegou a luneta quando Gibbs a alcançou e checou a ilha. Era de longa extensão; havia tantas árvores que era impossível saber seus limites. — Mr. Gibbs, coloque o Pérola a toda sua potência. Creio que chegaremos à ilha em, no máximo, vinte minutos!

Jack ordenou a Gibbs e encaminhou-se até sua cabine. Vestiu a camisa e o casaco, guardou a bússola e o desenho de Elizabeth em seus bolsos internos. Sentou-se na cadeira à frente da mesa, no meio da cabine, e retirou o desenho do bolso. Contemplou-o por um bom tempo, os olhos fixos na face de Elizabeth sobre o papel. Ele alisou com o dedo as pálpebras dela, e seus lábios e cabelos, da forma como queria acariciar quando a visse.

Não, espere — sussurrou mentalmente para si. Como saberá se ela realmente está naquela ilha? Como saberá se ela quer algum de seus carinhos, se ela o deseja? Mal sabe das condições em que está se metendo, Sparrow, e está aí, planejando o Futuro Incerto.

Porém, Jack não se importava. Tudo o que importava naquele momento era que finalmente encontraram a Ilha. Ele finalmente tinha a esperança de vê-la outra vez, quem sabe segurá-la nos braços por vários e longos minutos. Afagar-lhe as ondas de ouro que tinha como cabelos. Perscrutar-lhe o rosto, mantendo vívida a memória de cada um de seus traços. E como era linda! Era a moça mais linda dos Sete Mares, bem Jack sabia. Era sua Rainha; a Rei Pirata. Todos deviam temer seu nome. Todos deveriam respeitá-la.

E como ele previra, levaram cerca de vinte a trinta minutos para atracar. Jack sentia o coração palpitar na boca e a respiração tornava-se mais difícil a cada segundo. Chegaram em botes à beira da praia; havia doze homens, no total. Delgo remava no bote que levava Gibbs, Jack e Phillips. Phillips observava a ilha com seus olhos cinza, um mecha do cabelo ruivo caindo sobre a testa. Ele contava que uma vez ficara sozinho em uma ilha, quando tinha quinze anos. Jack sorria internamente, pensando o quão mentiroso era aquele garoto — pensando que talvez Phillips tornar-se-ia um mentiroso até mesmo melhor que o próprio Sparrow.  Ele ainda tinha seus vinte e tantos anos, e muita vida para viver, se tivesse saúde e fosse esperto. Tempo o suficiente para criar músculos, quem sabe, pensava Sparrow, sorridente. Phillips continuava sua narrativa, enquanto Delgo mostrava-se impassível e Gibbs um tanto quanto curioso. E Jack não tirava os olhos da ilha; até parecia-se com a de seus sonhos, ou era seu inconsciente fazendo-o acreditar que era a mesma ilha.

Desceram dos botes, Jack primeiro, sendo seguido por Delgo, Phillips e por último, Gibbs. Ele apanhou a bússola, abriu-a e fitou-a seriamente. O ponteiro não oscilava. Ia reto a noroeste, e era aquele caminho que deveriam seguir. Não poderiam seguir a orla a botes, alguns trechos eram repletos de pedras, e não sabiam a extensão exata da praia. Jack decidiu cortar caminho pela mata; rapidamente chegariam ao outro lado, que era onde parecia estar o que tanto desejava.

Elizabeth.

Estaria mesmo naquela ilha? Sparrow pedia aos deuses que sim, ou ficaria louco. Precisava que estivesse lá; mais uma vez com suas buscas arruinadas seria seu fim.

Mas não podia desistir. Não agora, que estava tão próximo…

Esperou os homens descarregarem os botes e ordenou que o seguissem. Jack começou a cortar caminho pela mata, a passos largos e rápidos, sempre olhando para a bússola e seguindo a direção que ela lhe ordenava.

Havia tanta mato que Jack quase não podia enxergar perfeitamente. Usava sua espada para cortar as folhas que via à frente, abrindo espaço para o restante dos homens. Deparavam-se com árvores gigantescas; umas deveriam ter dez, quinze metros. Muitas eram frutíferas, enquanto outras serviam apenas para enfeitar ainda mais a ilha.

Até aquele momento, não deparara-se com nenhum bicho selvagem. Algumas aranhas; aves. Nenhum animal que lhe mostrasse real perigo. Havia macacos, inúmeros deles. Tantos, que não poderia contar. Alguns homens brincavam com os macacos; Phillips chamava um com estalares de dedos, enquanto Delgo o fitava, mau-humorado, dizendo-lhe que o macaco nada quereria com um imbecil feito Phillips. Porém, o rapaz continuava insistindo, até que o próprio Jack virou-se e disse para esquecer-se de domesticar animais naquele momento e fizesse seu trabalho. Phillips se virou tão rapidamente que o restante dos homens desatou a rir, e o Capitão nada de gargalhadas dava. Continuava caminhando, certo de si, certo de seu caminho, compenetrado, abrindo caminho aos demais.

Jack olhou rapidamente para uma fresta no meio das folhagens, acima de sua cabeça. Deveria ser onze horas, ou meio-dia. Poderia até mesmo ser uma da tarde, não mais que isso — o Sol estava a pino, e, se não fosse por todas aquelas plantas e folhas, a cabeça estaria cozinhando como um guisado em panela de ferro.

Caminharam por quase uma hora sem parar, até que encontraram uma lagoa, grande o suficiente para banhar-se e beber de sua água. Alguns homens abaixaram-se até ela para dar longos goles. Delgo mergulhou a cabeça e ficou submerso por alguns segundos, até voltar, refrescado. Phillips bebia água loucamente, assim como Gibbs. Jack continuava no meio lugar, observando os demais, circundando a lagoa, indo até o outro lado. Olhou para o chão por alguns instantes e os olhos perceberam pegadas.

Pegadas!

Então havia alguém mais naquela ilha… Ou alguém já havia passado por ela.

Não. Aquelas pegadas eram tão recentes quanto o Sol sobre suas cabeças. Acocorou-se, fitando-as de mais perto. Eram pés descalços. Pés pequenos; pés de mulher. Um sorriso fascinante brotou-lhe nos lábios. Ergueu-se e ordenou aos homens que voltassem a andar e a segui-lo. Ouviu resmungos e pragas foram-lhe atiradas, mas tudo o que fizera foi seguir em frente. Não precisava mais de sua espada para abrir caminho, e embainhou-a. As pegadas seguiam uma linha reta até a praia, num caminho que já fora aberto há tempo. Esse caminho deve ter no mínimo um, ou dois anos, Jack pensava, andando, seguindo as pegadas atentamente. Algumas vezes não podia vê-las, porque a areia as cobria. Mas conseguia ver algumas; umas eram muito nítidas.

E caminharam por mais vinte minutos, até chegarem à praia. Sparrow puxou a bússola. Ela oscilou, apontando-lhe um caminho a ser seguido à direita. Gritou para que continuassem, e a bússola o guiava novamente. Dava passos rápidos e largos, e outra vez sentia o coração palpitar. A própria bússola tremia em suas mãos, enquanto andava e andava. Repentinamente fechou-a.

Ali estava.

Uma grande pedra. Era tão grande, do tamanho de uma casa. Os marujos a observavam com certa fascinação, parados. Até que Sparrow começou a correr. Correr como louco, como se o perseguissem, como se sua vida dependesse daquilo. Delgo o olhava, dando gargalhadas e apontando. Hohohoho; ecoava seu riso rouco e grave. Pouca bola Jack dava, correndo ainda mais rápido. O chapéu acabara por sair voando, com o vento que cortou-lhe a frente, e ele deixou que fosse-se o maldito chapéu. Quando chegou na pedra, prendeu a respiração.  Caminhou até um vão que havia; era grande o suficiente para uma pessoa, principalmente para Elizabeth. Caiu de joelhos à frente do vão, procurando-a, achando apenas folhas e mais folhas. Parecia uma cama. A sensação de frustração tomava-lhe conta, e ele respirava com dificuldade.

Praguejou. Praguejou mil vezes. Onde, pelos deuses, você está?, deixou os lábios se moverem e sussurrarem, sem resposta.

Ele levantou algumas folhas. Encontrou uma faca. Analisou-a por um tempo, viu que tinha uma bela lâmina, que o fio estava bom. E havia um buraco no chão, e dentro dele, um anel. Um anel de ouro branco, com um enorme rubi. Ele conhecia aquele anel… Já havia o tido.

Observava o anel com fascinação. A ponta de esperança voltara ao que se lembrava do passado.

Aquele anel…

Ele havia lhe dado.

Quando ela ainda era uma jovem menina, com seus treze ou quatorze anos. Quando se viram pela primeira vez, no porto…

Sorriu, com o anel em mãos.

— JACK! — Soou atrás dele, a alguns metros. — JACK! OH MEU DEUS! JACK! JACK!

Jack virou-se.

O coração batia a mil batidas por segundo. Poderia saltar pela boca a qualquer instante.

Pelos deuses.

Isso não é uma alucinação.

Isso é real.

Eu não tomei rum algum…

ISSO É REAL!

— ELIZABETH! — Deixou que saísse de sua boca enquanto virava-se para ela; um grito forte e contente, escorrendo por seus lábios, denotando a felicidade que sentia àquele instante. — LIZZIE! — Ergueu-se, fitando-a, os olhos marejados, um belo sorriso no rosto. Uma lágrima escorreu de seu olho esquerdo enquanto Elizabeth também sorria e chorava, enquanto aproximavam-se um do outro. — Lizzie! — Disse outra vez, rindo como um bobo da corte, caminhando desta vez mais rápido.

Ela correu em sua direção. O abraçou como nunca o fizera, apertando-o contra si com todas as forças que lhe restavam. Jack sentia sua respiração contra seu peito; ele a aprisionava com os braços, e prometia aos Céus que nunca a deixaria ir embora. Sentia que ela lhe agarrava o casaco com os dedos, sentia que ela precisava de calor, de carinho, de atenção. Ele afagava seus cabelos e beijava-lhe a cabeça enquanto ela enterrava o rosto em seu tórax e chorava, sussurrando seu nome um milhão de vezes.

— Lizzie… — ele murmurou em seu ouvido, a voz saindo rouca e chorosa, fazendo Elizabeth arrepiar-se. — Lizzie, Lizzie; minha Lizzie! — apertou-a mais contra si. — Está tudo bem agora, querida; tudo bem, tudo bem. Eu estou aqui; eu estou aqui — beijou-lhe a testa, abraçando-a novamente.

— Jack, Jack, não me deixe aqui, por favor, por favor!  — Elizabeth exclamava contra o peito de Jack, suas palavras saindo um tanto quanto abafadas. — Por favor!

— Ó, pelos deuses, eu não vou deixá-la aqui, Elizabeth!  Você está bem? Parece tão frágil; está tão magra… — Ele a afastou um pouco, fitando-a por inteiro. — O que aconteceu a você, Elizabeth Swann? — Deu-lhe um sorriso de lado, fazendo-a sorrir-lhe também, ligeiramente. — É essa a minha Rainha? A Rei Pirata? Ó, não, o que lhe fizeram? — Expressou uma face perplexa. — Há quanto tempo está aqui, Lizzie?

— Jack! São tantas perguntas… — ela riu-lhe baixinho.

— Oh! Desculpe, é que… — Elizabeth interrompeu-o, abraçando-o novamente.

— É tão bom vê-lo de novo, Capitão Sparrow! — Ela dizia, feliz, a face novamente enterrada no peito de Jack. — Tão bom… — repetiu, a voz murmurada em um gemido. Afastou-se de Jack. Pegou-lhe as mãos e entrelaçou seus dedos nos dela. — Tire-me daqui. Imediatamente. — Suas mãos passaram das de Jack para seu rosto. — Por favor, Jack, leve-me dessa maldita ilha, leve-me agora; eu não posso suportar nem mais um minuto aqui. Vê o que ela fez a mim? Olhe para mim; olhe para mim — Elizabeth alinhou o rosto de Jack com as mãos, fitando-o nos olhos. — Leve-me daqui. Para Tortuga, seja lá onde for, eu não me importo; só me tire daqui!

— Seus pedidos são ordens, querida — sorriu outra vez. — Mas… temos de andar um longo caminho até o Pérola. A ilha é extensa, creio que o saiba; levamos quase duas horas para chegar até aqui.

— Não me importo de caminhar um pouco mais. Tudo o que já andei por aqui… Só… leve-me.

— E quanto ao seu Wi…

Jack! — Interrompeu-o. — Tire-me daqui. Dane-se tudo o que está pensando, foque-se no que eu estou dizendo. Esta ilha é uma praga; uma maldição. Preciso ir embora, preciso de um banho, de roupas limpas, de comida, de água, de uma cama! — Gritou.

— Certamente eu tenho uma em minha cabine…

— Ótimo. Será esta em que me deitarei esta noite. O quê? — Elizabeth indagou-o, enquanto Jack sorria, maliciosamente. — Raios, Jack…

— O quê? — Ele repetiu. — Nada, amor. Há anos não nos vemos, só estou feliz em tê-la perante meus olhos novamente. — Jack olhou finalmente para adiante de Elizabeth; lá atrás, a alguns metros, estavam seus marujos. Delgo os fitava de braços cruzados, uma expressão impassível estampada como reação, enquanto Phillips erguia as sobrancelhas e Gibbs sorria loucamente. — Ó, claro, deveria conhecer os novos marujos. — Apontou para trás de Elizabeth com o indicador. — O brutamontes chama-se Delgo. Aquele raquítico ruivo é Phillips; ali está o velho conhecido, Mr. Gibbs, e logo ali os outros, John e Hagar, irmãos; e Thiago, Gregory, Theon… e bom, os outros três, eu não me lembro. E claro, cá estou eu, o Capitão. — Apontou para si. — Seja bem vinda à tripulação, Rei.

— Pare de me chamar de rei, e serei bem vinda. — Ela sorriu, afagando-lhe rapidamente a face e virando-se. — Mr. Gibbs! — Disse, caminhando rapidamente e abraçando o homem gordo e baixinho; fedia a rum, mas aquilo era esperado de Gibbs… e de Jack também. Mas este não fedia a álcool tanto quanto Gibbs. — Ó, tanto tempo, tanto tempo! — Elizabeth ria, observando os demais. — Não os conheço, mas muito prazer.  Delgo? — Apontou para o mais alto. — Jack disse-me seus nomes. E você é Phillips.

— De onde conhece nosso capitão? — surgiu Phillips com sua voz, dando alguns passos à frente.

— Jack não lhes contou?

— O Capitão não perderia tempo com estes cães, minha Rainha — sussurrou Gibbs para ela.

— Eu lhes conto… então — Elizabeth sorriu. — Nos conhecemos em Port Royal; Sparrow salvou-me a vida — riu. — Lutamos contra Davy Jones. E ele me tornou a Rei Pirata; se é que isto me vale de algo, visto as condições em que me encontro.

— Continua bela — soou Jack, atrás dela. — E astuta como uma raposa. Não caiam na ladainha dela; podem acabar mortos, quem sabe — Jack piscou-lhe, risonho. — Mas nossa Rainha ordenou-nos que devemos tirá-la o mais rápido possível deste lugar. Sem perguntas; a moça odeia ser perturbada.

— Era isso o que procurava com sua bússola, Jack? — A voz de Delgo ergueu-se sobre a de Jack, grossa como a de um touro. — Nem tesouros, nada? É esta garotinha, somente? Andamos por todo aquele caminho, atracamos, para nada?

— Se vê o resgate de uma donzela, uma bela e formosa e corajosa donzela, a Rei Pirata, como nada, bem, então isto é um nada. Um nada valioso. Se eu fosse você, não brincaria com a língua enquanto refere-se à senhorita Swann; não por mim, mas por ela. Não sabe do que esta mulher é capaz, então não a subestime. Lutamos bravamente contra Davy Jones; ela liderou-nos. Se acha que Elizabeth não pode cortar-lhe a garganta sem que perceba, tudo bem; viva com isso em seus sonhos, mas não exponha esta sua língua de trapo na frente dela, e na minha frente, savvy?

— Não precisa me defender, Sparrow; posso fazê-lo sozinha. Delgo. Chamo-lhe de Delgo ou Gigante? É muito alto, senhor. — Sorriu-lhe. — Leve em conta tudo o que o Capitão lhe disse; bem, as coisas que este homem disse são verdade, mesmo que seja muito difícil de acreditar.

— Ora, muito obrigado — Jack comprimiu os lábios e franziu as sobrancelhas. — Por chamar-me de mentiroso.

— Oh, tudo bem, Jack. Vamos logo; mostre-me o caminho que tomou para chegar até aqui.

— Siga-me — mostrou-lhe o atalho com a mão, apontando. Começou a andar, Elizabeth ao lado.

Já andavam há algum tempo; alguns homens estavam a metros de distância, enquanto somente Gibbs e Phillips mantinham-se próximos a Jack e Elizabeth. Sparrow virou-se para ela, sorridente. Ergueu uma das mãos; segurava seu anel.

— Suponho que seja seu. De que quem mais poderia ser? — Entregou-lhe o anel. Elizabeth o pegou e colocou-o no polegar.

— Pode-se lembrar?

— Claro que posso — ele riu. — Você tinha quantos anos na época? Quatorze, quinze?

— Quatorze — ela suspirou.

— Faz muito tempo — respirou profundamente e soltou o ar pelas narinas. Voltou a fitá-la. — Você era uma garotinha; os cabelos eram louros como agora, dourados como o mais puro ouro. E encaracolados. Estavam presos a uma fita azul, em formato de laço, e claro, como uma damazinha que deveria ser, usava um daqueles grandes e pesados vestidos. Mulheres, e essa mania de se esconder sob inúmeras camadas de roupas — Jack riu novamente, passando os olhos sobre Elizabeth, que usava apenas um leve e fino vestido, puído nas extremidades. — Bom, este não é mais seu problema, creio!

— Continua descarado, Jack Sparrow.

— Não posso perder os velhos costumes. — sorriu sardônico.

Elizabeth sorriu ligeiramente, seguindo adiante.

Jack não mentira quando dissera que estavam longe do Pérola; caminhavam já há mais de meia hora. Haviam passado da lagoa, tomado água, enchendo cantis, refrescando-se. E dali para frente, disse-lhe Sparrow, teriam de andar mais uma hora. Pouco importava-se com o tempo que levassem para chegar ao navio, desde que chegassem. Já estava farta daquela ilha, das coisas lá que havia. De todo o verde-musgo, dos malditos macacos e aranhas. Queria ver-se livre daquelas pragas o quanto antes. Os deuses que abençoassem Jack Sparrow por ter chegado até aquela ilha. Ó, que Poseidon lhe concedesse paz nas águas. Aquele homem deveria ser um anjo, surgindo no meio de toda a névoa que tornara-se sua vida.

E havia de ser logo Jack, o tal anjo?

Ó, raios.

Ele andava ao lado dela, calmo, um risinho desinibido nos lábios; típico. Há quanto tempo não via aquele rosto? E há quanto tempo desejava vê-lo novamente? Não colocaria tudo a perder. Oh, não, desta vez não. Não o deixaria para trás, não deixaria a própria vida para trás.

Jack lhe perguntara: E William?

Ela deveria ter respondido prontamente: William Turner que se foda com seus novos tentáculos!

Oh! Ela deseja tê-lo respondido daquela maneira. Certamente Jack Sparrow ergueria aquelas suas sobrancelhas sardônicas e riria com ela; mas o que aconteceu à Lizzie Swann que conheci?, era o que diria. Inevitavelmente.

Ignorou aqueles pensamentos, focou no momento em si. Caminharam mais vinte minutos, e sentia-se exausta. Não deveria. Mas a ilha sugava-lhe as entranhas, e tudo o que podia fazer era cansar-se. Ela desejava um banho quente mais que a tudo; banho e comida. Se Jack lhe desse aquelas duas coisas, ela lhe daria o mundo em troca, se assim pudesse. O estômago roncava, apesar das frutas que havia comido mais cedo; mas, mangas não equivaliam a uma boa carne e batatas.

Deuses!

Há quanto tempo não comia batatas!

Se Sparrow tivesse batatas assadas, então ela o amaria para sempre.

Mais vinte minutos de caminhada. Delgo vinha logo atrás dele, não parecia arfar, ao contrário de Phillips, que encontrava-se num estado deplorável, muito pior que ela mesma. O rapaz parecia exausto, e Elizabeth sabia que ele não devia ter se esforçado muito mais que os outros, ou muito mais do que ela, que passara os últimos dois anos (e mais alguns miseráveis meses) ali. Poupou-o de críticas; parecia um garoto simpático, e não lhe tratara desrespeitosamente, como fizera Delgo. Os demais não lhe dirigiram a palavra após o discurso de Jack, mas não lhe pareciam arrogantes.

Continuou resoluta, andando, mantendo passos firmes, as têmporas suando.

Jack a fitava de soslaio. Estava a alguns centímetros à frente de Elizabeth, e via que ela suava. Delgo vinha logo atrás dela, sendo seguido por Phillips. E atrás vinham Theon e Gregory. E depois os irmãos Hagar e John, e os demais. Alguns metros a mais e finalmente sairiam do meio daquela mata toda, e chegariam à praia.

Alguns minutos depois, e lá estava o Pérola em sua imensidão e beleza. Viu que Elizabeth prendia a respiração, mordendo o lábio inferior, fascinada. Sabia que ela adorava aquele navio tanto quanto ele. Lizzie era uma verdadeira pirata. Ninguém poderia dizer o contrário. Ela própria estava ali para prová-lo.

Nenhuma mulher chegaria aos pés dela. Nenhuma seria como ela. Elizabeth Swann, única, a Rei Pirata. Jack deveria sentir-se honrado por ter sua amizade. Por tê-la ali tão perto outra vez.

— Aí está, nosso adorado Pérola. — Jack disse, solenemente, a voz soando rouca. — Espero que seja confortável o bastante para a Rainha — riu.

— Qualquer coisa é mais confortável que o chão, Jack. E aceito sua cabine como quarto. — Sorriu, tomando o passo à frente.

Seguiram-na até os botes. Elizabeth ajudou a soltá-los, e logo estavam no mar. Ela podia sentir a brisa fazendo os cabelos dourados oscilarem, alguns fios grudando em sua testa e bochechas. Sentava-se ao lado de Jack, no bote aonde iam Gibbs, Delgo e Phillips. Curiosamente, Jack a abraçava pelos ombros. Do mesmo modo quando ficaram sós naquela ilha. Eles, garrafas de rum e uma fogueira. Jack estava loucamente bêbado, e raios, ela também. No entanto, agora ele parecia tão sóbrio quanto ela. Parecia não dar atenção ao restante dos marujos; ele a abraçava, acariciava seu ombro com os dedos e a mantinha perto de si.

E havia tanto tempo que ela não sentia o calor de um corpo que não objetou em nada.

Poucas palavras foram ditas até que chegassem ao Pérola.

Jack a ajudou a subir. Elizabeth familiarizava-se com aquele cenário. Tantas coisas já haviam acontecido naquele convés… Aquele navio havia, de certa forma, mudado sua vida. E ela não poderia negar aquele fato.

Em pouco tempo os botes já estavam erguidos, os homens tratando de algumas poucas ordens que Sparrow dera-lhes. Elizabeth esperava, os olhos passando por todos os lugares em que podia. Mal podia lidar com aquela situação; finalmente via-se livre do tormento da ilha onde passara os últimos dois anos e meio de sua vida. Como Jack havia dito, estava magra, e aparentemente cansada. Os pés doíam, mas não sangravam mais. As botas que William lhe deixara se desgastaram tanto que tivera de deixá-las de lado; só a atrapalhavam. Teve de acostumar-se com o solo, as plantas e os espinhos. Calos apareceram, bolhas, nódoas negras nas pernas e braços. Porém, agora o sofrimento cessara. Ali, sobre a madeira mal polida, de um marrom quase negro, daquele convés, o ar enchia-lhe os pulmões e finalmente poderia respirar em paz. Finalmente estava em paz. Ela poderia descansar sem o medo de morrer dali dez segundos, de alguma febre. Ou ser atacada por algum animal que ainda não havia descoberto entre as matas daquele gigantesco pedaço de terra assombrado, que era a ilha.

Finalmente livre.

Estas não são casas de veraneio…

Tudo estava em silêncio naquela madrugada. A brisa passava suave entre as casas e apenas o homem de olhos negros fitava o horizonte escuro à sua frente.

Sentado no antepenúltimo degrau de sua varanda fumava um de seus cigarros de palha calmamente, esperando, talvez, que a vida lhe desse o sinal de quando a morte chegaria, porém, nada mais que o vento frio lhe vinha como resposta.

Apenas o vento, o silêncio e a tranquilidade.

Logo, logo vinha a saudade, traiçoeira.

Sua menina devia estar longe. Foi embora com o noivo há um ano, deixando-o ali.

Sua menina era mais jovem, vinte e tantos anos… E talvez fosse esse o motivo por tê-lo abandonado.

O homem de olhos negro tinha 40.

Sua menina 18.

E naquele lugar, todos eram contra sua união. Porém, ele continuava sentado na varanda, agora olhando para as casas, ouvindo o bater das ondas nas pedras.

E aquelas não eram casas de veraneio. Nelas moravam os homens e mulheres da ilha.

A vila onde moravam era repleta de alegria. Apenas acalmava-se na madrugada, quando todos dormiam e somente ele continuava acordado, atento ao mar, à brisa, aos sons da noite, à esperança de ver sua menina outra vez.

E quando a visse, dar-lhe-ia o beijo mais doce e puro que poderia dar; o abraço mais apertado e sincero. Ficaria com ela o resto da noite e o dia que vinha a seguir. Ficaria com ela para todo o seu sempre.

Faria tudo isso quando sua menina voltasse ao lar.

E o homem de olhos negros esperava, sentado no antepenúltimo degrau de sua varanda.